Pela segunda vez, fui aceito em enfrentar este desafio de 217 km, percorrido pela serra de Mantiqueira, quase toda em terras mineiras, num trecho do caminho da fé, onde apenas 20 km são planos, a prova mais difícil do Brasil e uma das mais difíceis do mundo. Mas agora com um diferencial, já sabia o que encontraria pela frente, não sabendo se isso pode se dizer que é uma vantagem.
Como já conhecia a prova e sei de suas dificuldades, procurei nos meses que antecederam traça – lá em minha memória, a fim de aproveitar os trechos que fui bem em 2010 e procurar melhorar os que assim julguei. E assim, na medida em que se aproximava a largada fui traçando passo a passo a prova na minha cabeça e é claro, treinando. Realizei muitos treinos em socorro, interior de SP, onde a topografia é bem parecida com o percurso da prova.
Chegado o grande dia e muito ansioso, estando bem preparado, aceitei o desafio em completa – lá em até 48hs e podendo contar com uma equipe de apoio nota 10 em todos os quesitos.
São eles: minha esposa Claudia, meu irmão Beto e o amigo do meu irmão e agora meu amigo Noboru.
Logo após a largada, em São João da Boa Vista, toda a ansiedade passou, dando lugar a uma grande vontade de deixar para traz os 217 km. Neste primeiro trecho até Águas da Prata, combinei com o apoio que não era necessário me acompanhar, se bem que só era possível num trecho, pois nesta parte nós entrávamos numa trilha dentro de uma fazenda, sendo impossível acompanhar de carro e logo no inicio todos os atletas estavam próximos, inclusive tinha a companhia de um amigo, Dicler, que também estava realizando a prova. Este trecho de trilha estava com muita lama, tornando um dos trechos mais difíceis da prova e os escorregões eram constantes, mas como ainda estava no inicio, a vontade falava mais alto, completando estes 19 km, dentro do programado. Então parti para o temido pico do gavião há 1700 metros de altitude e faltando uns 4 km para chegar ao pico que meu irmão começou a me acompanhar e sabendo respeitar o gigante, cheguei ao topo e sem mais comecei a descida, podendo encontrar com outros atletas e amigos que vinham de encontro. Em toda a prova, este foi o único trajeto de ida e volta pelo mesmo lugar, quando encontrei com minha equipe no retorno do pico fiz minha 1ª refeição, preparada pela minha querida esposa.
Estava pronto para chegar em Andradas, onde peguei um grande trecho de descidas com pedras soltas, sabendo que tinha que tomar cuidado para não cair e atrapalhar a corrida. Chegando em Andradas, fiz uma pausa e me alimentei, afim de me manter sempre com energia. Nesta altura já estava com 63 km e sabia que agora vinha a serra das Limas e pelo nome acho que não é necessário explicar mais. Parti sozinho deixando meu irmão fazer a pausa dele para almoçar e descansar um pouco, que antes mesmo da largada deixei claro para ele: ”Vou precisar de você amanhã que é quando começa a corrida de verdade”.
No meio de uma subida a caminho da Serra dos Limas a Claudia me acompanhou um pouco, mas o suficiente para carregar as baterias com um novo ânimo. Quando ela voltou para o carro, o Beto veio para o meu lado, só saindo no inicio da madrugada. Chegando a Serra dos Limas fiz mais uma refeição e conferi meu tempo que estava bem próximo do meu comparativo de 2010 com 77 km, ou seja, dentro da minha programação mental e que venha a cidade de Barra, a próxima da lista. Nas 4 cidades seguintes os intervalos entre elas são mais curtos, variando de 7 km a 15 km, diferente das 5 últimas cidades onde os intervalos são superiores a 20 km, mas vimos em frente uma pequena parada em Barra, abastecemos as garrafas de água, tomando um café quente, seguindo rumo a Crisólia e nessa hora pedimos para a equipe de apoio deixar separada as lanternas, pois a noite começara a cair, então pedimos para nos dar no caminho, mas nos esquecemos que neste trecho o carro não conseguiria passar...Claro, se fosse um 4x4 sem problemas, mas este não é nosso caso. Quando a noite caiu, estávamos o Beto e eu, apenas com uma lanterna de mão que carregava de reserva, chegando sem problemas em Crisólia. A estrada estava boa. Com uma breve parada nos abastecemos. Comi um lanche e seguimos para Ouro Fino, nesta parada já estávamos com 99 km.
Agora com as lanternas de cabeça foi bem mais fácil e com mais 7 km chegamos em Inconfidentes e foi nessa hora que reparei que havia adiantado 1 hora do meu tempo parâmetro de 2010 e sabia que neste próximo trecho até Borda da Mata, segundo minha programação mental, iria ganhar algum tempo. Então pedi para meu irmão ir para o carro para descansar, como tinha combinado que precisaria dele no 2º dia.
Parti para este trecho refletindo em tudo o que ficou para traz e em o que estava pó vir. Nessa altura já havia deixado para traz 115 km. Quando cheguei em Borda de Mata , estava com muito sono e ao encontrar meu carro de apoio, vendo que estavam todos dormindo e após acorda-los pedi para que me prepassem um lanche e na espera, deitei na calçada para relaxar, confesso que não sei se dormi ou desmaiei uns 5 min. Comi meu lanche e continuei minha jornada rumo a Tocos de Mogi, deixando para traz 137 km, tendo que ser forte e lutar contra o sono, sabendo que quando amanhecesse estaria bem melhor e nosso corpo entende que é hora de acordar (mas ainda nem dormi).
A Claudia me acompanhou até sair da cidade, depois retornou para o carro e continuei meu caminho, nos próximos raios de sol meu irmão saiu do carro e ficou comigo até a linha de chegada, mas ainda passamos por um probleminha desagradável. Uma assadura começou a incomodar, e nessa hora estávamos entre as duas cidades, ou seja, longe de tudo. Tinha que esperar a próxima cidade para comprar uma pomada a fim de aliviar o desconforto, mas perguntando para outro atleta que vinha com seu carro de apoio, nos forneceu um pouco de pomada para aliviar o desconforto.
Chegando em Tocos do Mogi, a primeira coisa foi providenciar uma pomada para uma emergência, depois tomamos um café com um biscoito mineiro, seguindo para Estiva, deixando para traz 153 km, mas estes trechos são muito difíceis, com inúmeras subidas intermináveis. Claro que todo caminho possui muitas subidas, mas de Borda da Mata até o final as Serras são maiores, sem contar com o cansaço. Mas tudo estava de acordo com minha programação mental, então deixando para traz duas serras enormes, cheguei em Estiva, me reabastecendo, como um macarrão, seguindo em frente. Foi quando falei para meu irmão: “Agora só faltam 42 km (uma maratona)”, ou seja, deixei para traz 175 km. Todos falam do pico do Gavião, mas confesso que este trecho, no meu ver, é um dos mais difíceis, com uma subida muito íngreme e longa... Interminável, mas passo a passo venci mais esta barreira e finalmente cheguei em Consolação, totalizando 195 km. Restando apenas 22 km, então comi um lanche, reabastecemos nossas garrafas e seguimos num dos poucos trechos asfaltados, por uns 4 km até entrarmos em uma estada de terra novamente e neste último trecho não era possível o carro nos acompanhar, então era o Beto e eu, até o fim.
Entramos neste último trecho e o tempo começou a mudar, formando uma chuva e abafando o tempo cada vez mais, que por sua vez cansumimos mais água fazendo-a terminar faltando mais da metade do trecho final e não avistamos nenhuma casa, para pedir água. Nessa hora, fiquei preocupado, pois acabara a água, faltando tão pouco e em uma subida avistamos um cano com uma saída de água, numa possível nascente no meio da mata. Sem pensar 2 vezes enchemos, nossas garrafas com uma água bem barrenta, mas assumimos o risco, não podendo ficar sem água, afinal, estava terminando e ambos estávamos cansados, sendo nesse momento que meu irmão deu sinais de queda de pressão, por sorte ele resolveu carregar um pacote de batatinhas, pois seria um trecho que estaríamos sozinhos. Mais adiante, logo a chuva que estava prometendo cumpriu sua previsão e lavamos nossas almas e em poucos minutos a temperatura caiu, ou melhor, despencou e começamos a sentir muito frio e ignorando tudo só pensava em terminar.
Ainda enchemos mais uma vez nossas garrafas, mas dessa vez a água era bem cristalina, mas também se não fosse não iria fazer diferença. Quando reconheci que estávamos quase terminando e olhei meu relógio e vi que estava com um tempo muito bom e que faria abaixo das 36 horas, apertei meu ritmo. Quando antes da prova, pensei que poderia baixar meu tempo de 39hs e 29 minutos de 2010, achei que seriam umas 2 horas a menos, mas quando vi que terminei antes das 36 horas, demorei a acreditar, já dentro da cidade de Paraisópolis, faltando uns 300 metros, nosso amigo Noboru veio a nosso encontro e mais alguns metros minha querida esposa Claudia também se juntou a nós para cruzarmos a linha de chegada com o maravilhoso tempo de 35 horas e 45 minutos, me emocionando muito.
É uma coisa muito bonita que nosso grande amigo e idealizador da BR 135, Mario Lacerda fez, de primeiro premiar nosso suporte (pacer), pois sem eles seria impossível cumprir o desafio e só depois nossa premiação. Quando vi a premiação do meu apoio ainda tentando acreditar em meu tempo, não sabia se me emocionava mais em ver a alegria no rosto da Claudia, Beto e Noboru, quando estavam recebendo suas medalhas ou no maravilhoso tempo conquistado, claro que é um todo, pois todos nós cumprimos nossa missão e se não fosse o empenho de cada um nunca conseguiria tal feito.
Obrigado a meu novo amigo Noboru, meu irmão, amigo e companheiro Beto e minha querida e amada esposa Claudia.
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