SUPERANDO AS ADVERSIDADES - por Beto Cianfarani

Sair vencedor de um desafio, nem sempre significa terminar uma prova entre os primeiros, bater recordes e ser premiado, com honrarias e felicitações. Analisando galerias de fotos de provas passadas, achei uma foto que exalta essa minha afirmação. Em outubro de 2009, fiquei sabendo de uma ultramaratona que chamou minha atenção. Uma corrida de 217 km, em percurso de muitas dificuldades pela sua altimetria, que atraia muitos atletas experientes e renomados no cenário nacional. Essa era a Brazil 135 Ultramarathon, prova que já foi considerada a terceira corrida mais bruta em todo o mundo. Quanto mais conhecia essa prova, mais crescia um forte desejo de encarar esse desafio, elevar meu corpo ao extremo e tentar completar os 217 km do percurso. Porém, havia um grande obstáculo para participar do desafio... o altíssimo custo, somado entre inscrição e demais valores a serem pagos para fazer parte dos participantes da Br. Por anos, essa prova ficou apenas em planos, futuros e incertos, por não fazer parte da minha realidade financeira. Finalmente, em 2013, consegui  através de alguns bem feitores, que custearam minhas despesas , estar presente nesse mega desafio. Treinei como nunca, me preparando de maneira sólida e intensa, extremamente motivado, determinado em completar todo percurso, de preferência num tempo em que me deixasse entre os primeiros. Tudo estava perfeito, toda preparação, em todos os aspectos, me dava a certeza que seria uma grande prova. Estava com uma equipe de apoio determinada em me ajudar em todo percurso. Assim que largamos, entrei na estratégia planejada, saindo de São João da Boa Vista, seguindo até Águas da Prata, percorrendo o belo caminho com muita felicidade. Ao chegar em Águas da Prata, me alimentei, enchi minhas garrafinhas com água e segui viagem, sentido ao Pico do Gavião, ponto da prova que possui mais de 1800 metros de altitude. Tudo corrida muito bem, quando ao iniciar a subida do Pico, percebi que meu corpo estava completamente branco, forrado de sais, me deixando em alerta. Todas as vezes que fiquei dessa forma, tive terríveis problemas com cãibras. Tentei me hidratar durante a subida, mas ao me aproximar do fim da subida, tive a primeira das incontáveis surpresas na prova, uma terrível cãibra na perna direita. Foi tão forte a contratura, que não consegui ficar em pé. Minha panturilha se retorcia involuntariamente, obrigando meu primo Aroldo, que me acompanhava naquele momento, me alongar na tentativa de sanar aquele problema.  Estava aproximadamente no km 35 e já estava passando por uma situação que não havia pensado. Numa prova de 217 km, ter problemas no km 35 era algo terrível. As cãibras eram generalizadas, paralisavam meu corpo todo, que me levava ao chão. Num momento em que fui ao chão, devido às contraturas, um atleta da Tailândia pediu permissão para me filmar, tamanho era aquele sofrimento, para passar em um canal local tailandês,  que falaria sobre a prova. Parecia um terrível pesadelo, na prova que esperei tanto tempo pra participar, que havia me preparado tanto, estar passando por tais situações. Quando cheguei em Andradas, estava abatido, deitado em um banco de praça,  mais parecendo um boxeador que vai a lona, ouvindo a contagem do árbitro,  buscando forças pra levantar, mas não tendo muito êxito.  Eu fiquei das 12 às 20 horas sendo consumido por essas contraturas musculares terríveis (depois descobri que o nome disso que tive era tetania), que me derrubavam literalmente. Caí várias vezes, comprometendo totalmente meu ritmo, destruindo meus objetivos de concluir a prova num tempo e colocação boa. Quando me aproximava do bairro chamado Serra dos Lima, um dos integrantes mais importantes da minha equipe,  meu primo Aroldinho,  passou mal, sendo levado ao hospital,  nos deixando sem carro de apoio. Nesse momento, meu corpo travou de vez, me obrigando a deitar no acostamento de uma estrada e esperar algo acontecer, que naquele momento nem suspeitava o que seria. Vários atletas tentaram me ajudar,  me dando vários medicamentos, na tentativa de parar aquelas contraturas.
Estava anoitecendo, começando a esfriar. Tiveram a ideia de me cobrir com um lençol, para não perder temperatura. Quem passava de carro achava que havia sido atropelado e por isso estava coberto. Logo surgiu um boato na cidade que um atleta havia morrido atropelado, ao cruzar a rodovia. Após muito feito, as contraturas diminuíram e segui minha corrida, desmotivado por um lado, mas feliz pelas contraturas terem passado. Meu primo Aroldinho havia retornado do hospital,  me orientando de forma segura, me botando novamente na prova. Após uma hora caminhando, meu corpo voltou a estar apto a imprimir um bom ritmo, conseguindo recuperar um pouco as muitas horas que estive parado. A madrugada foi difícil, gastei muita energia com as contraturas, cansando meu corpo, ficando com muito sono, me desmotivando mais uma vez. Seria obrigado a dormir um pouco, o que me atrasaria mais ainda em minhas expectativas. Meu humor estava péssimo, deixando o clima com minha equipe de apoio terrível. Quando parei pra dormir, no posto de gasolina em Inconfidentes, estava com 115 km rodados. Ao acordar, percebi que meu estômago estava virado, com muito enjôo, extremamente indisposto, prejudicando a retomada da corrida. Pensei seriamente em abandonar a prova nesse momento, não conseguindo suportar a pressão. Quando estava prestes a abandonar,  de forma inesperada,  o celular do meu irmão tocou, de forma estranha, pois não tinha sinal. Era minha esposa,  que juntamente com minha filha,  me ligaram para me incentivar,  dando um super combustível, naquela intensa jornada. O enjôo aumentou cada vez mais, me levando a vomitar muito, quando cheguei em Borda da Mata. A partir daí, foi superação pura. O calor estava muito intenso, não conseguia ingerir nada, nem alimentos e nem bebidas, me deixando extremamente fraco, nas difíceis serras da região. Quando cheguei em Tocos de Moji, estava literalmente nocauteado, sem forças, extremamente grogue, tendo ainda muito a percorrer. Minha equipe, querendo me animar, perguntaram o que gostaria de comer. Respondi que gostaria de uma pizza... e não é que eles me trouxeram uma pizza, mas infelizmente não conseguia comer nada, devido aos enjôos.  Comecei a ter alucinações, que me tiravam toda consciência, piorando minha situação. O maior jornal de Ribeirão Preto enviou uma equipe de jornalismo, para fazer uma matéria sobre minha participação naquela prova tão dura, desconhecida para a maior parte da população. Eles chegaram exatamente no ápice das alucinações, quando não estava falando nada com nada,  extremamente pirado. Os jornalistas ficaram assustados ao me verem naquele estado, ao perceberem que não falava coisa com coisa. Me lembro de pouca coisa em quanto estavam fazendo a matéria. Conforme as alucinações passavam, a realidade doía ainda mais. Ao perceber meu estado, meu grande amigo e companheiro de equipe Dicler Agostinetti, que também estava na prova, usou todo seu conhecimento de médico, experiência de atleta e bom senso de amigo, me orientando a dormir um pouco, destacando que me faria muito bem. Mas estava tão perturbado, que não aceitava perder mais tempo. Em meio às alucinações e extrema tensão, minha equipe acendeu o fogareiro em cima da caminhonete, fazendo um café naquele belíssimo fim de tarde, naquela paisagem ímpar. Penso hoje,  que deveria ter tomado uma xícara com eles.  Nesse momento, comecei a pensar que não conseguiria completar os 217 km em 48 horas, tempo limite de minha categoria. Estava esgotado, inconsciente e extremamente desmotivado. Lembro claramente, quando Aroldinho olhou em meus olhos e disse que me ajudaria no que fosse preciso para eu alcançar meu sonho e cruzar a linha de chegada.  Minha equipe estava muito triste por ver a situação que me encontrava e que aquele sonho havia virado num pesadelo. Quando estava me aproximando da cidade de Estiva, estando aproximadamente uns 50 km da linha de chegada, desabei no fim de uma terrível subida. Parecia o fim, pois faltava poucas horas para completar as 48 horas limite e não estava conseguindo ficar em pé. Quando acordei, quase duas horas dormindo, estava um pouco melhor, triste e inconformado por não conseguir completar a prova, conversei com minha equipe e decidimos tentar um último suspiro, travar uma terrível batalha com o percurso e acima de tudo, com o relógio, seguindo em frente nessa tarefa dificílima. A guerra contra o tempo era minuto a minuto, a cada metro. Nesse tempo, meu corpo teve altos e baixos (mais baixos do que altos), mas com muita ajuda da minha equipe e extrema proteção de Deus, cruzei a linha de chegada, na cidade de Paraisópolis, superando os 217 km, após inimagináveis problemas, superando todos eles, com total apoio da minha equipe de apoio, guiado e protegido por Jesus Cristo. Completei a prova em 48 horas e 30 segundos, 30 segundos acima do tempo limite, sendo desclassificado na categoria 48 horas. Após 48 horas de muitas (muitas mesmo) batalhas, perdi a medalha de conclusão por 30 segundos. Confesso que tempos depois esses 30 segundos me abalaram um pouco, mas hoje, analisando minha vida, tenho a certeza que foi o meio minuto que mais me fez crescer no aspecto esportivo. Superar tantas adversidades me deixaram um extremo gosto de vitória, pois minha luta é contra meus próprios limites, independente do tempo e posições, uma batalha pessoal. Foi certamente uma das minhas maiores conquistas!

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