quinta-feira, 18 de outubro de 2018

ENFRENTANDO O DESERTO



A VISÃO DE UM TREINADOR - Por Beto Cianfarani
- Em Abril de 2017, quando estávamos em uma prova, meu irmão Pedro Luiz demonstrou pela primeira vez, durante uma conversa, a intenção de realizar a BadWater Ultramarathon, no deserto do Vale da morte, nos Estados Unidos. Iniciava-se assim, um sonho a ser realizado, onde exigiria etapas essenciais a serem cumpridas. Por volta de Julho do mesmo ano, ele decidiu que realmente tentaria estar presente na edição de 2018 da prova americana. Para isso precisaria de índice em provas classificatórias. A princípio, sua escolha havia sido conseguir o índice nas 24 horas de Campinas, percorrendo a distância mínima, em uma prova relativamente tranquila, sem correr grandes riscos. Mas uma lesão muscular o tirou da prova escolhida, tornando a missão um pouco mais difícil. Nosso foco seria outro: Realizar a BR135 em janeiro de 2018, conseguir o índice, se recuperar dos efeitos de uma prova extremamente desgastante e iniciar uma preparação com tempo justo, para chegar na Badwater em Julho. Recuperado da lesão muscular, mas ainda sem muito ritmo, Pedro realizou algumas provas menores, para ganhar condicionamento necessário e concluir a Br135 em menos de 40 horas. Foi uma preparação difícil, onde ele demorou para voltar em suas condições normais, mas mesmo aos “trancos e barrancos”, chegou para enfrentar a BR e conseguir seu índice desejado e se aproximar de seu sonho. Mesmo não sendo sua melhor apresentação na Brazil 135, Pedro conseguiu o tão desejado índice que precisava e após de um pouco da boa e velha burocracia, seu nome estava presente entre os selecionados da prova que muitos classificam como “a prova mais difícil do mundo”. A grande dificuldade não seria a distância, a qual o Pedro tem realizados por diversas vezes, mas sim a alta temperatura e baixa humidade que enfrentaria no vale da morte. Após uma grande reestruturação de seu treinamento, ele foi entrando em um condicionamento em que nunca havia estado antes, rápido, forte e resistente, principalmente após uma adequação nutricional extremamente competente, que potencializou sua performance, fazendo-o chegar muito bem preparado para encarar a BadWater.

A VISÃO DO ATLETA- Por Pedro Luiz Cianfarani
- Consegui completar esta que foi a mais difícil de todas as edições, devido ao calor extremo, com incríveis 56 graus causando o maior número de desistências da história da prova. Minha estratégia seria aproveitar a noite, para me poupar na região mais quente da prova, por estar a quase 90 metros abaixo do nível do mar. Então, com um ritmo mais forte, tentei aproveitar a noite para me livrar desta região bem quente, mas chegando no posto de controle número 2, reparei que tinha fugido da minha característica de cadenciar a prova em um ritmo mais confortável. Com isso, tive que rever meu ritmo se quisesse terminar a prova e neste momento estava com 42 milhas rodas. Nessa hora, um filme passou pela minha cabeça, pensando em todo treino e em todas as pessoas envolvidas nesse desafio.  Ajuntei todas as minhas forças e recalculei a estratégia. Dei uma parada afim de retomar o fôlego e pegar a primeira grande subida, com aproximadamente 19 milhas (30 km), tendo que iniciar minha recuperação em plena subida, com umas 8 milhas bem preocupantes, mas treinei muito para estes momentos e na segunda metade desta subida interminável fui me recuperando e vencendo este primeiro obstáculo, conseguindo encaixar um ritmo confortável e constante até chegar no ponto mais quente da prova, com 56 graus na milha 70 aproximadamente. Nessa hora, o vento queimava o rosto, me forçando a correr com um lenço úmido no rosto, óculos e uma toalha úmida na cabeça debaixo do boné e tudo isso tive que molhar em no máximo 10 em 10 minutos. Claro que tudo orquestrado pela minha equipe de apoio formada pela minha esposa Claudia e minhas amigas Ângela e Carle. Após uma breve parada na milha 72, para alimentação e cuidado dos pés, que realmente são muito exigidos devido ao calor, parti para a segunda subida, esta com uma inclinação bem menor e eu já recuperado do ritmo inicial e recuperando um bom terreno perdido. Ao cair da segunda noite, minha amiga Ângela, que estava me acompanhando desde a milha 42, onde era permitido a presença de pace, foi descansar no carro e minha esposa Claudia permaneceu ao meu lado nas próximas 12 horas, ocasionando um momento muito prazeroso da corrida, ou seja, estava bem na prova (recuperado) e correndo com minha companheira e amiga Claudia. Confesso nem ter percebido passar estas 12 horas. Pedi para minha esposa descansar no carro, voltando minha amiga Ângela para fazer a última e pesada subida com maior grau de inclinação e suas intermináveis 13 milhas. Nessa hora, não existe mais estratégia nem cansaço apenas a vontade de terminar e agradecer todos que ficaram aqui no Brasil torcendo por mim, todos amigos de ultamaratona nas redes sociais, minha equipe dos Ultraloucos, familiares e principalmente meu irmão Beto, que estava aqui apreensivo, sem contar é claro, minha fantástica equipe de apoio comandada pela minha amada esposa Claudia e minhas amiga Ângela e Carle. Confesso que terminei esta prova por todos vocês e nunca me emocionei tanto em uma prova e de maneira alguma iria decepcioná-los.  Obrigado a todos pela força e por me ajudarem na realização de um sonho. Aguardar mais desafios!   

A VISÃO DO APOIO- Por Cláudia Siola Cianfarani
- Participar de uma ultramaratona como apoio começa muito antes da largada da prova. O desafio começa com os preparatórios, desde a compra de alimentos, bebidas, suplementos, o que será utilizado para o atleta, até a logística com as passagens aéreas, hospedagem e aluguel do carro. Uma das principais preocupações é ir para um lugar desconhecido, outro país, adaptação do clima e altitude. O calor era insano!! Nunca tinha sentindo tanto calor. Chegamos em Las Vegas com uma semana de antecedência para fazer as compras e aclimatar. Quando chegamos em Furnace Creek, local da prova, a temperatura era maior ainda! Não conseguia imaginar como seria correr com aquela temperatura! No dia da largada organizamos o carro poucas horas antes, porque o calor era tanto, tudo esquentava lá dentro. Era preciso manter o ar condicionado ligado por todo o tempo. Tudo pronto, chegada a hora. Quanta emoção, preparar tudo, lembrar de todos os detalhes, apoiar o meu amor na realização de seu sonho. Dada a largada, a adrenalina aumenta, os minutos foram passando e tudo foi voltando ao equilíbrio. Calor intenso, agora é acompanhar o atleta, seguir a planilha de alimentação, hidratação, suplantação, comprar gelo, abastecer o carro, obedecer o regulamento da prova para dirigir e estacionar o carro para o atleta não ser penalizado, pois três descumprimentos ele deveria ficar por uma hora parado. Me sentia com muita responsabilidade para que tudo acontecesse como o planejado. Como estava muito bem treinado e se sentindo preparado, o Pedro começou a prova com um ritmo muito forte, isso fez com que ele errasse na estratégia. Depois de um longo trecho, começou a se sentir cansado, seu ritmo diminuiu, momento em que precisei manter o equilíbrio e incentivá-lo. Logo recuperou seu ritmo. Ao anoitecer, no primeiro dia, ele cogitou em parar para dormir um pouco e descansar. Conhecendo-o, sugeri que seguisse e me ofereci para acompanhá-lo. Percorremos por 12 horas juntos, experiência indescritível, jamais imaginava que conseguiria acompanhá-lo, me senti muito realizada por superar meus limites e poder percorrer este percurso. Depois de 41 horas de prova cruzamos a linha de chegada, experiência incrível que levarei para sempre, uma satisfação pessoal poder contribuir na conquista de um sonho. Obrigada meu amor por me dar esta oportunidade!