Relatos

Brazil 135 Ultramarathon 2017
Por Dicler Agostinetti

Tudo começa numa quinta-feira 12 de janeiro de 2017 às 8 horas da manhã. Até então, um burburinho constante e uma corneta dá a largada. Se fez um silêncio quase total, só se ouvem passos, batidas ritmadas, muita concentração e preocupação. Uma longa jornada de aproximadamente 260 K, dessa vez numa dupla sensacional (meu amigo Pedro e eu ). No apoio, o meu não menos amigo Beto, que sustentou o apoio sozinho até Estiva. Nesse ponto junta-se a nós a minha grande amigona Cláudia, que veio colocar ordem no galinheiro. Imagine a bagunça que três indivíduos têm o poder de fazer. Desorganização total.
Os primeiros 42 Km corremos juntos (por imposição da prova), com o Pedro sempre na frente me puxando e eu sempre atrás, segurando-o, hehe.
A partir daí, revezamos aproximadamente a cada 3 km, em ritmo mais forte e constante.
Faltando aproximadamente 55 km, veio uma chuva que mesmo não muito intensa destruiu os caminhos. O carro de apoio já não passava mais e o Pedro além de ultralouco virou um ultramaluco, pra conseguir tirar um carro 2X2 de um lamaçal, onde não passava nem um 4X4. Tirou.
Nos últimos 42 km que continuaríamos o revezamento, sem o carro de apoio, fomos os dois juntos, com muitos trechos em que tínhamos dificuldade até para andar. Muito difícil.
Finalmente chegamos após 42 horas ininterruptas de corrida e caminhada, com uma matilha de cães atrás e uma manada de vacas na frente, no sábado dia 14 de janeiro às 2:00h da manhã; uma jornada de muitos bons momentos e momentos extremamente tensos e preocupantes.
O caminho pregou-nos mais uma peça. Coisas do caminho.
No ano que vem nos veremos novamente. Será  em um quarteto, um quarteto mais que fantástico.

Nunca tristes, sempre lokos. Para sempre ultraloucos.



75 km de Bertioga/Maresias - maio 2013
Por Sinval Moreira
            

               Minha vitória na ultramaratona de Bertioga maresia não foi nada fácil, tive uma sexta feira muito tumultuada. Por volta das 21h, estávamos esperando Pablo, meu filho, chegar da escola para irmos para Bertioga. Iriamos ficar na casa do Joao, meu colega. Seguimos viagem, quando chegamos à serra de Bertioga, o carro parou de funcionar, ficando nós desesperados, pois já era quase meia noite. Não conseguia entender qual o motivo de toda prova de Bertioga eu ter que passar por tantas aprovações. Ligamos para o João, informando o acontecido, acionando o resgate por volta de 1hora da manhã. O resgate chegou, mas tinha um detalhe, só levaria o carro ate o limite da rodovia, nos deixando sem opção. Ficamos aproximadamente 500 metros depois do posto rodoviário. Ligamos novamente para o João, mandando ele um colega, também atleta que iria correr a prova, para puxar o carro. Quando estávamos sendo rebocados, a polícia rodoviária nos parou, dizendo que não podíamos puxar o carro. Explicamos toda situação, falando que estávamos a 2 km do local para onde iriamos, sendo então permitido após muita conversa. Porém, após a liberação do reboque, os policias viram que o carro do nosso amigo estava irregular, com os vidros cobertos por insulfilme, querendo-nos aplicar uma multa e reter o carro. Nesse meio tempo, já eram quase 2 horas da manhã, estando eu desesperado, pois teria que correr às 6 horas e 15 minutos, sabendo que acordaria muito cansado. Depois de muita conversa, os policiais falaram para retirar o insulfilme e seguirmos viagem e assim foi feito. Agora a preocupação era como eu iria fazer com o meu apoio da corrida, que eram quatro pessoas, dois ciclista, meu filho e o motorista.

                Decidimos que os ciclistas iriam, e se não conseguissem carona para voltar voltariam pedalando. Estava muito triste, pois meu filho, a pessoa que eu mais queria do meu lado, corria o risco de não conseguir carona para me dar apoio. Chegamos ao local da prova menos de 5 minutos para largada. Faltava apenas 1 minuto e Pablo ainda não havia arrumado carona. Neste momento tive uma crise de choro, uma mistura de raiva com revolta, pois sempre tive que passar por algum tipo de dificuldade para esta prova. o Beto e o Marcio, que estavam próximos, tentaram me acalmar, falando que eu era um guerreiro e que tudo iria dar certo. Foi dada a largada, saindo ainda chorando pelos dois primeiros km. Foi super difícil, pois não conseguia entrar no ritmo. Aos poucos fui me acalmando, encontrando meu ritmo. O Paulo Fonseca e o Raimundo Bernardo estavam na liderança, me aproximando aos poucos. Com 10 km assumi a liderança. Para minha felicidade, Pablo estava me esperando, deixando-me muito contente. Ganhei confiança e aos poucos fui deixando eles para trás. Pablo tinha pegado carona com a esposa do Paulo. Corri muito bem até os 45 km, passando a maratona com 3 horas 03 minutos. Pouco tempo depois, tive muitas câimbras, ficando muito preocupado, pois mais uma vez teria que correr com câimbras, um mal que me persegue. Eu sabia que seria muito difícil conseguir vencer caso as câimbras não parassem. Então diminui o ritmo, pois neste momento tinha uma vantagem de 7 minutos. Foi então que Pablo resolveu correr ao meu lado, pois já ficava difícil conseguir me dar apoio de carro. Faltando uns 22 km, ele começou a correr ao meu lado. Eu poderia ter sido desclassificado. Ele sempre me animando e não deixando eu apertar o ritmo. Só ficava pensando como eu iria subir a serra de 3 km, muito pesada. Para minha surpresa, subi correndo sem andar em nenhum momento. Agora eu teria mais 3 km de decida, conseguindo descer bem em um ritmo de 4 minutos por km. Agora só faltava mais ou menos 700 metros de areia. Foi aí que tive a certeza de que seria o meu dia. Antes de passar a linha de chegada, dei um abraço no meu filho, ficando ali abraçados, pulando e gritando por alguns minutos. Já não importava mais o tempo de conclusão, pois meu objetivo foi alcançado. É impossível descrever tamanha felicidade, só passando pelo que passei para saber o que é que senti. Agradeço a todos que me apoiaram, aos meus dois cunhados que me acompanharam durante toda prova, sem saber se conseguiriam voltar e realmente eles não conseguiram carona, voltando de bicicleta pedalando, assim como no domingo, retornando para São Paulo pedalando, pois estávamos sem carro. Agradeço ao grande mestre Herói Fung, responsável por toda minha preparação para esta prova. Só lamento não ter um patrocínio pra que eu possa realizar meu sonho, que é ser um dos melhores ultramaratonista do mundo, mas mesmo assim, podem ter certeza que vou correr até os 100 anos, pois Deus há de permitir. Meu muito obrigado a todos.


Brazil 135 Ultramarathon 
Por Dicler Agostinetti

Por incrível que pareça a BR começou para mim em 2011 e só terminou às 7:h e 29 minutos do dia 20 de janeiro de 2013. Foram anos de decepção e tristeza, alternados com paciência e perseverança. Em 2011 parei no Km 119 com uma rotura de gastrocnêmio esquerdo (panturrilha); foram vários meses de tratamento e correção dos exercícios de musculação até a recuperação. Em 2012 uma rabdomiólise (com risco de insuficiência renal) apareceu no Km 99, devido a um erro de estratégia (má alimentação e hidratação inadequada) e uma nova frustração. Com tudo isso corrigido volto em 2013, focado, sem pressa, mas decidido a terminar antes ou depois das 48 horas. Consegui com 47 horas e 29 minutos! Minha maior preocupação seria uma nova lesão, portanto, fui firme porém cauteloso; cuidando da alimentação e hidratação e meus três apoios, Shinpei, Parreira e Caio foram companheiros de fato; praticamente não me largaram nem um minuto, nem na hora do xixi! Pouco tempo corri só; no inicio fui com o Beto (que também vai contar sua história de bravura).
Após Águas da Prata meus apoios vieram comigo direto; subimos e descemos o Pico do Gavião, desafiante e lindo demais!
Na entrada de Andradas recebemos a acolhida calorosa de um grupo de animados “torcedores” da BR, todos devidamente “ calibrados”. Acabei tomando meio copinho de uma deliciosa cerveja (o Caio tomou um copo) acompanhado de uma suculenta picanha que nos foram oferecidos insistentemente.
Na serra dos Limas fui obrigado a dormir, apelaram até para a cobra criada, o puro sangue, Agnaldo (aquele que iniciou tudo); ele entrou em ação me convencendo a dormir um pouco num momento em que a adrenalina estava a mil. Fui contrariado, porém mais tarde percebi que aquilo me fez muito bem, serenando os ânimos e colocando novamente a cabeça no lugar. Fizeram-me comer e o mais importante, consegui comer, não muito como o Pedrinho e o Parreira que vivem “varados” de fome, mas o suficiente para ter combustível até o final. Dormi mais 40 minutos em Crisólia na barraca que o Shinpei levou especialmente para a prova e foi o suficiente; não dormi mais até o final. Usei soro oral praticamente o tempo todo e não tive qualquer sinal de desidratação ou distúrbio metabólico, nem nos momentos de calor mais intenso. Isso tudo só aumentava cada vez mais minha confiança e a disposição de terminar!
Não me lembro com detalhes de cada passagem, cada trecho percorrido, mas lembro do encontro caloroso com o Beto e o Pedro, seu fiel escudeiro, além de sua equipe de apoio. Ele também tinha que terminar e terminou!
Lembro-me também da nossa querida Regina e dos obstinados Ana e Paulo, absolutamente sempre de bom humor e do Agnaldo e Wanderlei sempre ao lado da guerreira.
Da triste notícia  do abandono, tanto da Regina (com problemas musculares) como de outro grande amigo Gessier (com rabdomiólise) e do alívio de saber que a sabedoria falou mais alto. A vida é mais importante, BR haverá outras; o caminho não sairá de lá e a vida não tem preço!
Lembro-me também do por-do-sol na montanha e da”conversa” do peão com seu gado (não é delírio não, gente); do Caio me acompanhando de sapatenis após perder as unhas dos dedões com um tênis apertado. Ele fez comigo aproximadamente 52 km, um recorde! O entusiasmo do Shinpei com suas “shinpeizadas”, um amante da natureza observando e apontando curiosidades do caminho, e com isso fazendo o tempo passar. Do Parreirinha um obstinado, perfeito (principalmente depois de comer um saco de amendoim inteiro), sempre contando-me suas parábolas infinitas. Ele percorreu comigo o trecho final entre Consolação e Paraisópolis, com uma mochila nas costas, me puxando, levando meu próximo e último lanchinho (na verdade, o nosso). Foi realmente demais!
Vou, modéstia a parte, me considerar um valente e valentes os que estiveram comigo, às vezes do meu lado, às vezes me puxando, às vezes me empurrando! Valente também é a Consuelo que mesmo distante sempre esteve tão perto de mim, apoiando-me incondicionalmente, acreditando de fato quando eu lhe disse que a vida é mais importante e que eu ia ter juízo sempre!
André, Mila, Carolina e Tarik, valeu, e muito!
Querido irmão Pedro que me acompanhou muito de perto nesses anos de preparação ouvindo meus desabafos com paciência; muito obrigado; um exemplo a ser seguido!
Consuelos, Cláudias, Jaquelines, Alices, Patrícias, Luizes, Bolinhas, figuras ímpares, apoios eternos de nossas vidas!
Aos amigos que de algum modo fizeram parte disso: Eduardo (Oracha), Vagner (Rosqueta), Marquinho (o Dotô), Marcão (do Jeovazão), Dora (a Véia), Leléu  (o Viril), Pomper (o Fudidin), Franquini (o Curva de Rio), muito obrigado!
Mario Lacerda e equipe, muito obrigado!

O valente cansa mas não desiste nunca; é valente o bastante para saber que as vezes precisa adiar a realização do sonho!

Há Há Há Há Há (gargalhada fatal!).


Brazil 135 Ultramarathon 
Por Beto Cianfarani

Após 4 anos de espera para encarar a Brazil 135 Ultramarathon, enfim chegara a hora de tal feito. O tempo de preparo não foi o melhor possível, pois tive no fim de novembro do ano passado as 24 horas de Campinas, prova que me preparei bastante, mas detalhes me tiraram da disputa das melhores posições. Mas com ou sem uma preparação indicada, tive o privilégio de contar com um mega apoio na prova, composta por Aroldo Costa Neto, Aroldo Costa Filho, Daniel Fantini, Rogério Astolpho Perez e Pedro Luiz Cianfarani. Esses foram os responsáveis por me ressuscitar em diversos momentos que apareceriam. Partimos no dia 17 de Janeiro, quinta feira, rumo a São João da Boa Vista, onde seria a largada. Chegamos no congresso técnico pela manhã, tiramos várias fotos, almoçamos, voltamos para o hotel para descansar um pouco, pois no dia seguinte seria a largada para os terríveis 217 km de muita montanha.
                Jantamos ao anoitecer e voltando para o hotel e fizemos os preparativos finais, como massagens e bandagens, alem de definir algumas estratégias com toda a equipe. A noite foi rápida, o sono profundo, despertando com o sinal do meu celular, avisando que era hora de me levantar para a prova mais difícil de solo brasileiro. Após um belo café da manhã no hotel, partimos para linha de largada em frente a praça central de São João da Boa Vista.
                A emoção estava incontrolável, onde foi impossível conter as lágrimas, com vários amigos na linha de largada, como Dicler Agostinetti, Regina Gastaldo, Emerson Bisan, entre outros, esperando o fim do hino nacional para o sinal de largada, exatamente as 8 horas da manhã. Sendo assim, eu teria 48 horas para completar tal desafio, mas acreditava que conseguiria completar antes desse tempo, mas toda precaução é pouca nessas provas. É dada a largada, saímos empolgados, juntos com os demais corredores, que ao todo somavam quase 170 atletas. Alguns atletas de apoio saíram junto conosco, um deles Pedro Luiz, meu irmão, atleta experiente que já fizera duas vezes essa prova.
                Tinha como um trunfo na manga a experiência de Pedro ao meu favor, pois já havia vivido tudo aquilo e que certamente me ajudaria muito. Quando já havíamos percorrido 1 km, Pedro sentiu uma forte dor do joelho, obrigando-o a parar de correr. Aquilo que seria difícil, estava aparentando piorar ainda mais, pois toda a experiência do meu irmão estava ameaçada por tal dor. Seguimos em frente, correndo juntamente com Dicler Agostinetti, meu grande amigo, companheiro de várias provas, num ritmo inteligente.
                Num determinado momento, o ritmo ficou um pouco diferente entre os dois, indo eu na frente, passando por alguns atletas, na busca da conclusão do primeiro trecho, que seria até Águas da Prata. Cheguei bem, sem muitos problemas, num ritmo legal, que poderia me dar segurança de não “quebrar”e também não perder contato com o grupo da frente, afinal, sempre corro pensando em conseguir um lugar entre os melhores. Ao chegar em Águas da Prata, meu primo, Aroldo Costa Neto começara me acompanhar, correndo ao meu lado, levando água e um pouco de amendoim torrado. Antes de sair de Águas da Prata, comi um lanche e uma castanha de caju e tomei um gel de carboidrato e um suco de goiaba. Estávamos num excelente ritmo, cauteloso, controlado pelo freqüencímetro cardíaco. Nesse trecho, passamos por vários atletas, ficando cada vez mais empolgados, rumo ao ponto mais alto da prova, o Pico do Gavião.
                Quando estávamos nos aproximando do início da subida do Pico, percebi que meu corpo estava repleto de sais, devido a transpiração, péssimo sinal naquela altura, pois estávamos nos aproximando dos 40 km percorrido, estando muito quente, na certeza que pagaria caro por tal fato. Percebendo que estava desidratado, segui em frente na subida do pico do gavião, agora na companhia do meu outro primo, Aroldo Costa Filho, substituindo Aroldo Costa Neto, que sentia o desgaste do ritmo aplicado. Estávamos sem nada, sem água, sem alimento e sem o mais importante, sem isotônico, responsável pela manutenção dos sais minerais. Nosso carro de apoio estava muito longe e não sabia se eles nos seguiriam até o pico do gavião, pois ao chegarmos ao ápice, retornaríamos pelo mesmo local. Após conseguir encontrar meu carro de apoio e me nutrir, seguimos em frente e o carro retornou para nos esperar no fim da descida do pico, onde passaríamos de toda forma. Estava com a pressão muito baixa e infelizmente já apareciam às primeiras câimbras, algo que poderia atrapalhar, até mesmo acabar com minha prova. Enquanto estava subindo, as câimbras estavam leves, mas ao retornar e iniciar a descida, tive a primeira trágica surpresa. Meu corpo ficou inteiro travado de câimbras, obrigando-me a deitar no chão, sendo amparado por Aroldo, que de forma sutil alongou as principais musculaturas, melhorando aos poucos, voltando aos poucos para prova. Nessa altura, já tinha duvidas se conseguiria seguir até o fim, pois aquelas câimbras estavam tão intensas, que jamais pensei em existir. Sou corredor a 14 anos, participei de várias provas, tolerando por inúmeras vezes elas, mas essas que surgiram me impossibilitavam de ficar até mesmo de pé, quanto mais correr. No meio da descida, Aroldo Costa Filho, tropeçando em uma pedra, sofreu uma queda, ralando sua mão direita, nada que o impedisse de seguir viagem.  Aos trancos e barrancos consegui descer o pico do gavião, encontrando meu carro de apoio. Lá, percebi que meu primo que correra o trecho antecedente de chegar no Pico, Aroldo Costa Neto não estava passando bem, mas mesmo com extremo mal estar, fez uma excelente massagem em minhas pernas, que aliviou e afastou as câimbras por alguns minutos. Após uns 10 minutos de parada para alimentação e massagem, segui em frente, ao lado agora de Rogério Astolpho Perez e meu irmão, Pedro Luiz, que correria no sacrifício por suas dores no joelho direito, mas me vendo devastado palas terríveis câimbras, entrou em extremo sacrifício, ainda mais por me ver totalmente desanimado. O meu estado físico estava ficando crítico, ainda mais levando em consideração que estávamos com menos de 50 km rodados, restando ainda muitos kms pela frente.
                Eram dez passadas e uma crise de câimbra. Ao aproximarmos da estrada que liga a pousada do gavião a cidade de Andradas, uma descida inclinadíssima de 7 km, meu carro de apoio informou que iriam levar Aroldo Costa Neto ao hospital, pelos inúmeros vômitos e sua situação clínica, continuando rumo a Andradas Pedro Luiz Cianfarani, Daniel Fantini e eu. Tive que deitar algumas vezes devido as câimbras generalizadas, castigando cada vez mais meu corpo e acima de tudo, minha motivação. Quanto mais eu descia mais ocorriam as câimbras. No final da descida, passamos por um grupo de rapazes que bebiam cerveja e comiam churrasco em um bar, oferecendo-nos cerveja e churrasco. Confesso que foi tentador parar, pois naquela hora uma cerveja gelada pra dar uma relaxada não seria nada mal, porém seguimos em frente . Após muito, mais muito esforço, chegamos a cidade de Andradas, onde estava a ambulância da prova, juntamente com o médico, onde verificou minha situação, percebendo que estava abatido pelos ocorridos. Minha pressão caiu enquanto estava deitado num banco de praça, auxiliado pelas massagens de Daniel Fantini, sendo observado ainda pelo doutor. Nesse momento encontramos o carro de apoio de Dicler Agostinetti, que era composto por José Antonio Parreira e Shimpey Sunaga, alem de Caio de Castro que estava com o mesmo, percorrendo os 7 km de descida para chegar em Andradas. Ao melhorar um pouco, resolvi seguir viagem, crendo que aquelas câimbras e aquele mal estar passariam, podendo continuar assim minha prova que venho sonhando a 4 anos. Ainda na companhia de Pedro Luiz e Daniel Fantini, seguimos sentido Serra dos Lima, mais uma etapa a ser alcançada. Quanto mais eu caminhava, mais a musculatura se contorcia. Após uma subida leve, meu irmão perguntou quantas vezes eu havia urinado, tendo no momento 10 horas de prova percorrida. Informei-lhe que havia urinado apenas uma vez, o que lhe preocupou muito, pelo risco de rabidomiólise, trauma que pode parar os rins, algo que pode virar um risco de morte. Ao tentar fazer força para urinar, saíram algumas gotas de urina, onde percebi que estava de cor amarela escura (Daniel Fantini, que estava ao meu lado afirma que estava clara) deixando-me ainda mais desanimado, pois já abandonei uma prova tempos atrás pelo tal trauma. Quanto recompus minha roupa, quase desmaiei, sendo segurado por Daniel e Pedro. Caminhamos por alguns metros, cruzando uma rodovia, entrando numa estrada de terra, onde sairia em Serra dos Lima. Ao entrar em tal estrada, mais uma vez sofri de câimbras generalizadas, afetando quase todos os músculos do meu corpo, sendo deitado pelos meus companheiros no canto da estrada, sentindo dores que não consigo descrever. Muitas pessoas pararam pra me ajudar, dando-me azeitonas, remédios, alongamentos, tudo pra me ajudar naquele momento caótico. Esses momentos não esquecerei jamais em minha vida, a bondade daquelas pessoas parando suas provas, ajudando aquele que eles nem conheciam. E ainda tem um editor de revista de corrida famosa que acha que os ultramaratonista correm pelo ego de ser melhor que o outro. Nesse momento, deitado na beira da estrada, encontramos o carro de apoio da Acrimet, da atleta Regina Gastaldo, onde fui auxiliado por todos integrantes, desde remédios até mesmo cobertor e travesseiro. Algumas pessoas achavam que estava morto, atropelado, por estar coberto no acostamento, rolando boatos pela cidade. Após aproximadamente uma hora deitado naquele local, com câimbras incessantes, nosso carro de apoio chegou, com Aroldo Costa Neto recuperado após tomar soro na veia. O mesmo se aproximou de mim, fez muita massagem,  na busca do fim das malditas câimbras. Olhou fundo em meus olhos, dizendo que se não fizesse uma atividade aeróbia, os fatores orgânicos não seriam expelidos de meu sangue e aquela situação não passaria. Me enchi de garra, troquei de roupa, levantei daquelas estrada e segui, bravamente suportando muitas dores, sentido Serra dos Lima, sendo acompanhado por Rogério Astolpho e Pedro Luiz, alem do carro de apoio que estava um pouco a frente. 
                Restava-me naquele momento engolir a seco a vontade de fazer um tempo bom e ocupar as primeiras posições e começar a me conformar em apenas concluir a prova, independente do tempo. Sabia que a partir dali as coisas estariam cada vez mais difíceis. Caminhando no início lentamente, aos poucos fui me sentindo melhor, principalmente depois de tomar uma cápsula de cafeína, deixando-me mais ligado. Resolvemos que quando chegasse no próximo posto de controle, que seria em Serra dos Lima, numa pousada, pararia, jantaria, tomaria um banho, para depois seguir viagem. A cada passada que dava o corpo começara voltar ao normal, interrompendo aquelas terríveis câimbras após horas de sofrimento. Nesse momento já estava escuro, portávamos nossas lanternas de testa. Aproximava das 21 horas, 13 horas de prova. A conversa com Pedro Luiz e Rogério Astolpho ajudou a esquecer aqueles momentos tão ruins, dando-me ânimo em seguir em frente. Já havíamos percorrido mais de 70 km, restando muito a ser escalado. Aquelas subidas tortuosas abalariam alguém inteiro, quanto mais um cara quebrado quanto eu estava. O carro percorreu o tempo todo a nosso lado. Após muitos passos, chegamos em Serra dos Lima, numa pousada na beira de uma estrada de terra que fazia parte do trajeto. Fui comer uma macarronada e na seqüência tomar um banho. Recebi uma massagem, feita por Aroldo Costa Neto. Após, ficamos uns 40 minutos na pousada e para não perder muito tempo partimos, rumo a próxima cidade, Barra, que ficava a 7 km dali. Estava sendo acompanhando ainda por Pedro Luiz Cianfarani e também por Aroldo Costa Filho. Estava determinado em correr também, pois já estava me sentindo melhor. Foi um dos trecho mais suaves, sendo percorrido rapidamente. Corri quase todo tempo, onde as descidas inclinadíssimas facilitavam a evolução do corpo a frente. Nesse trecho, as pedras do chão estavam soltas, dificultando um pouco nosso trajeto. Ao chegarmos em Barra, nem perdemos muito tempo, pegando apenas no carro de apoio algo para comer, como castanhas e damascos, continuando a trajetória. Seguíamos rumo a cidade de Crisólia, ponto onde a quilometragem da prova entraria perto dos 100 km. Ainda estava sendo acompanhado por Pedro e Aroldo Filho, seguido de perto pelo carro de apoio. A escuridão estava imensa, o silêncio na mata dava cada vez mais sono. Conversávamos muito para combater tal sono. Nesse momento, ate cheguei a me animar, pois estava num bom ritmo, tinha ultrapassado alguns corredores. Mas restava muito chão pela frente. Por volta das 2 horas e 30 minutos da madrugada, chegamos em Crisólia.
                Nos aproximávamos de 100 km. Deitei na num banco de praça para receber massagem de Aroldo Neto, enquanto Daniel Fantini batia leite com banana e maçã para mim. Meu irmão Pedro também deu uma deitada no chão, na praça. Estávamos começando a ficar cansados de novo. Sem perder muito tempo, saímos meia hora depois, acompanhado agora por Daniel Fantini e Aroldo Neto. Rumávamos sentindo a cidade de Ouro Fino, em um trecho de aproximadamente 8 km. Após uns 5 minutos correndo, demos as mãos os três e fizemos uma oração a Deus, pedindo cada vez mais proteção, naqueles momentos que começavam a ficar cada vez mais difíceis. Foi um trecho que também não perdemos muito tempo. Corremos por quase todo trajeto, porém, o cansaço pairava pelo meu corpo.
                Chegando em Ouro Fino, avisei para Aroldo Neto que o próximo trecho, que seria entre Ouro Fino a Inconfidentes iria ser percorrido apenas na caminhada, sem correr, pois havia acusado um forte cansaço e que também ao chegar no posto de controle de Inconfidentes iria dormir um pouco, pra descansar, pois sabia que daquela cidade pra frente, o percurso era cada vez mais difícil. Foi um dos piores trechos a serem percorridos. O sono havia me destruído, estava reclamando de tudo, deixando o clima pesado por tantas reclamações. Quanto mais caminhava, mais parecia que a cidade se afastava. Começava a amanhecer, os pássaros cantavam, os raios de sol surgiam pelo horizonte e eu reclamava cada vez mais, querendo que chegasse aquele posto de controle. Esse trecho foi percorrido inteiro por Aroldo Neto e Aroldo Filho. Os outros estavam dentro do carro de apoio, tentando descansar um pouco, enquanto o carro era guiado por Rogério Astolpho. Após muitos passos e reclamações, chegamos finalmente em Inconfidentes, onde tiraria um sono de uns 30 minutos. Antes de chegar na pousada, encontramos Gecier Gomes, atleta amigo nosso, que também estava correndo. Ele brincou comigo, dizendo que o pão de queijo havia acabado. Não percebi em seu semblante que estava abalado, mas ao subir no quarto da pousada, meu irmão Pedro informou que Gecier estava muitíssimas horas sem urinar e que seu treinador, havia pedido a ele que abandonasse a prova, para não correr grandes riscos. Ao subir no quarto, fui direto pra cama, sem banho sem nada. O negócio naquele momento era dormir e descansar o mais rápido possível, para seguir viagem. Já eram 6 horas e 30 minutos da manhã, com 118 km rodados. Que animador, pois após tantos problemas faltavam apenas 99 km. Os 30 minutos dormindo deram um certo relaxamento pra musculatura, mas a cabeça estava girando, perdido, sem saber onde estava e com um péssimo sinal, o estômago estava começando ficar embrulhado. Mesmo com essa situação, não queria perder tempo, tinha esperança de ainda poder recuperar o tempo perdido, buscando os últimos 100 km que faltavam, diga-se de passagem a parte mais difícil. Tomei uma ducha, arrumei minhas coisas, comi uma maçã e um pão de queijo, seguindo viagem, juntamente com meu irmão Pedro, seguidos pelo carro de apoio, rumo a Borda da Mata. Saímos da rodovia onde se encontrava o posto de controle e a pousada, adentramos em uma estrada de terra, ainda com a cabeça desorientada, cada vez mais enjoado. Pensei que estaria muito mais disposto pelo sono, mas as náuseas falavam mais alto. Mantivemos um bom ritmo nesse trecho. Falava constantemente para meu irmão que estava muito cansado e que estava difícil continuar. Pedro me falava que era normal sentir aquele cansaço e que o segredo era seguir em frente. A única coisa que não citei é que estava enjoado e provavelmente iria vomitar. Eu sabia que vomitar naquele momento seria a pior coisa que poderia acontecer, que certamente não conseguiria comer mais nada e assim ficar sem fonte de energia e desidratado. Quando estávamos próximos do fim desse trecho, tomei alguns goles de coca-cola, comi algumas castanhas do Pará e dois damascos secos. Puxamos bem os últimos km do trecho, chegando na praça central da cidade Borda da Mata, onde já estávamos com quase 138 km rodados, quase 11 horas da manhã do sábado. Na hora que sentamos na praça, o clima estava de euforia por verem que o ritmo voltara ao normal, esperança para o resto da prova. Mas o que eles não suspeitavam é que estava prestes a complicar tudo. Após uma massagem nas pernas, não consegui segurar os enjôos, vomitando muito, abalando totalmente meu psicológico, afetando a continuidade da prova. Sabia que por muitas horas nada pararia no estômago e que minha pressão iria cair freqüentemente, dificultando ainda mais. Lavei o rosto, seguindo viagem a Tocos de Moji, perambulando como um zumbi, sofrendo com o forte calor. Pedro nesse momento estava comigo e logo nas primeiras descidas Aroldo Neto nos acompanhara.  O forte calor botava mais tempero em tudo que já estava ruim, aproximando do meio dia de sábado, começando a luta contra o relógio. Com muitas náuseas, comecei a ficar calado, apático.
                Quando falava algo era apenas perguntando se eles achavam que daria tempo. Em todo momento eles me incentivavam, dizendo que estava dentro do tempo. Até tentei uma reação, correndo por vários minutos, seguindo em frente, mas sem comer nada pelos enjôos, estando extremamente fraco a energia acabava, e era obrigado a caminhar novamente. Dessa forma permaneci até a chegada na cidade de Tocos de Moji, onde paramos para dar uma descansada e tentar comer algo. Nesse momento, mesmo abatido por um desgaste extremo, percebi minha equipe de apoio desanimada, preocupada. Sabia que era pelo meu desempenho, que no último trecho havia despencado no tempo, mas sem forças pra fazer qualquer outra coisa, fiquei uns 5 minutos deitado, respirando com os olhos fechados, pensando se seguiria viagem ou desistiria. Queria muito concluir a prova, mas estava cada vez mais difícil, pensava constantemente em desistir. Resolvi seguir viagem, enchi minhas garras com água, que era a única coisa que estava descendo, um pouco de isotônico, rumando sentido a cidade de Estiva, acompanhado na saída apenas por Pedro. Conversando com ele, resolvemos que se no próximo trecho ainda não estivesse bem desistiria.

                Faltavam 64 km até a cidade de Paraisópolis. Na saída, fiquei sabendo que a imprensa que viera cobrir meu desempenho acabara de chegar, servindo como um certo estímulo para chegar até o final. Meu ego queria ser visto como um corredor alcançando com suas passadas o terreno de alta inclinação, mas na verdade o que se via era um moribundo agonizante rastejando-se pelas subidas e descidas. O pior é que não descia nenhuma comida, me deixando cada vez mais sem forças. O fotógrafo parava em nossa direção e tirava várias fotos. No início, até tentei correr para não ser fotografado andando, mas não tinha mais como fazer mais nada, a não ser se rastejar pelas intermináveis subidas que direcionavam até a cidade de Estiva. Nesse momento já começara ficar um pouco inconsciente, apagando minhas lembranças por quase todo momento, sendo escoltado por Pedro Luiz, Daniel Fantini e Aroldo Neto. Era horrível ficar consciente e perceber o quanto havia passado de tempo, não me lembrando de quase tudo. O ritmo era cada vez mais lento, tanto na subida, quanto na descida. O fotógrafo tirou várias fotos, por várias vezes me encorajava, dizendo que ainda era possível, mas naquele momento o mais provável era desistir do meu sonho de 4 anos, em percorrer a Brazil 135 Ultramarathon. Quando percebi, o carro de apoio de Dicler Agostinetti chegara junto a nós, indicando que Dicler estava próximo. Meus amigos que compunham seu carro de apoio me incentivavam, mas estava um verdadeiro zumbi, sem muitas reações. Meu grande amigo Caio de Castro, pertencente do carro do Dicler, veio ao meu lado me dar forças, me confortar, dizendo que independente do resultado, pelo meu esforço e determinação ja era um vencedor. O Caio é um dos meus melhores amigos, presente em todos os acontecimentos importantes da minha vida e ele estar ali, ao meu lado, me dando forças era muito especial. Tudo era registrado pelo fotógrafo do jornal. Logo, Dicler chegou onde estávamos, ajuda importante na decisão que iria tomar, em seguir em frente ou desistir, pois alem de corredor experiente, onde já havia abandonado por duas vezes a Brazil 135 Ultramarathon, sentindo toda dor que representa, ele também é médico e naquele momento estava preocupado com meu estado de saúde, pois tenho uma esposa e duas filhas que amo muito. Após fazer algumas perguntas, Dicler chegou a um parecer, dormiria por duas horas e após, verificaria se teria condições ou não de continuar.
                Tentei seguir viagem ao lado dele, mas minha mente "apagava" constantemente, não conseguindo dar seguimento. Assim, deitei um pouco, tentando me recuperar o mínimo, pra tentar fazer algo e não abandonar meu sonho. Enquanto estava deitado, o carro da Acrimet, da Regina Gastaldo se aproximou e com ele a própria, juntamente do treinado Agnaldo Sampaio. Agnaldo me incentivou a não desistir, que uma desistência causaria uma dor irreparável por toda minha vida. Sabia que aquilo que foi dito por ele era verdade, me motivando a não abandonar a prova. Mas o problema é que minha mente estava cada vez mais desligada, o que dificultava cada vez mais.
                Fiquei por alguns minutos deitado, quando meu telefone tocou. Era minha esposa, Jaqueline, querendo falar comigo. Pensei que se ela me incentivasse abandonar, abandonaria imediatamente, pensando em meu bem estar. Mas para minha surpresa, ela me incentivou, dizendo que confiava muito em mim, para eu descansar e seguir viagem, para logo completar aquele incrível desafio. Foi o último combustível que precisava pra me determinar e completar aquela odisséia. Levantei e junto de Pedro e Aroldo Neto seguimos viagem, naquelas terríveis subidas, antes de chegar em consolação. Fomos dessa forma, por vários quilômetros, fazendo algumas paradas, levantando e seguindo viagem, cada vez mais desgastado, mas seguindo em frente. Na última subida antes de chegar em Estiva, não agüentei e deitei novamente, para dormir um pouco mais. Naquele momento, resolvi abandonar a prova, deitei no chão, me cobri com um cobertor, dormindo por uma hora e meia. Todos estavam desolados por ver meu estado, aquele guerreiro que havia combatido todos os obstáculos estava desistindo, muito próximo do fim. Já se aproximava das 24 horas, quase virando domingo. O carro de imprensa, após horas registrando todos os fatos, se despediu de todos, me parabenizaram pelo esforço, indo embora, registrando ao invés de um bravo corredor subindo a serra da Mantiqueira um moribundo agonizante rastejando-se por subidas que nem sabia ao certo. Aquilo me feriu um pouco, meu ego me mostrando o quanto sou frágil. Em todos os momentos, Aroldo Neto e Pedro Luiz me incentivaram a seguir em frente e buscar a linha de chegada. Vendo o esforço de todos da minha equipe, o quanto eles se esforçaram, levantei, colocando uma roupa seca e voltando pra disputa. Perguntei se ainda dava tempo. Responderam que era difícil, mas dava pra tentar. Assim, desci uma longa descida, acompanhado por meu irmão Pedro Luiz, Aroldo Neto e Aroldo Filho, no carro de apoio estando Daniel Fantini e Rogério Astolpho. Descemos aquela rampa numa forte caminhada, chegando rapidamente até a cidade de Estiva, onde nem paramos, seguindo destino a consolação. Estava animado, motivado, mesmo que se excedesse o tempo de 48 horas, iria cruzar a linha de chegada como um vencedor. Fomos os quatro por quase todos momento, nas intermináveis subidas que ligavam Estiva a Consolação, numa caminhada fortíssima, surpreendendo a todos.
                Quase no final da última subida, encontramos o carro de apoio da prova, estando dentro o comandante Mario Lacerda, que ao me ver se disse surpreso, pelas inúmeras vezes que me viu em estado calamitoso. Após uma longa descida, chegamos a entrada do último trecho, que chegaria em Paraisópolis e assim na linha de chegada. Ao iniciarmos o último trecho, restava-me 3 horas para percorrer 20 km, difíceis, com muitas subidas. Era difícil, mas não impossível. Ainda estava sendo acompanhado por Pedro, Aroldo Neto e Aroldo Filho. Fomos correndo por muitíssimos minutos, caminhando quando as fortes subidas apareciam. O relógio conspirava contra e o rendimento começara a cair, as pernas pesavam toneladas, impedindo aumentar a passada. Aroldo Neto e Aroldo Filho foram, no final do último trecho para dentro do carro dando lugar a Daniel Fantini, que juntamente a meu irmão, me incentivavam a seguir em frente pelo pouco que faltava. O corpo não respondia mais, a cabeça não dava sinal de vida, apenas as pernas se moviam lentamente, mas restava pouco tempo e alguns km. Ao perceber que estava no fim e que o tempo estava acabando, comecei a aumentar o ritmo, ao som da música de "Rocky, o lutador", advinda do meu carro de apoio, fui em frente, correndo no máximo que conseguia, vendo a cidade. Tinha poucos minutos pra percorrer quase 2 km, mas fui em frente, ao lado de Daniel e Pedro, que ficara um pouco pra traz, descendo aquelas ruas de paralelepípedo, lembrando de tudo que havia passado, todo sofrimento, toda dor, todo incentivo dos meus amigos, todas as vezes que pensei em desistir, foi quando vi a linha de chegada. O pessoal ao me ver foi a loucura, surpreso por verem aquele moribundo chegando até o final. Todos meus amigos, Gustavo, Fabíola, Mario, Shimpey, Parreira, Dicler, Caio, e aqueles não conhecia, vibrando por mim, cruzei a linha de chegada, 48 horas e 40 segundos, estourando por 40 segundos o tempo limite, perdendo a medalha e a camiseta finisher.
                Mas era o que menos importava, havia concluído os dias mais difíceis da minha vida, superado juntamente com minha querida equipe todas as barreiras que apareceram. Era hora de comemorar. Obrigado meu pai eterno, nosso senhor Jesus Cristo, por me guiar durante todo instante, sem você meu pai, nada teria sentido.  Agradeço a meu irmão e grandioso amigo Pedro Luiz Cianfarani, por enfrentar lesão e dor muscular, pra me acompanhar por quase toda prova. Lembra-se Pedro, quando você, no primeiro trecho, após sentir a contusão, aos prantos me disse que queria me ajudar a completar a prova? Você me ajudou e muito, dedico a ti essa conclusão, eu te amo, valeu! A Aroldo Costa Neto, por tudo que fez por mim, desde correr ao meu lado, nas massagens durante as terríveis câimbras, por me arrastar quando estava "zumbizando" e principalmente, por não deixar eu desistir, você foi fundamental. A Aroldo Costa Filho, por toda ajuda, todo esforço e auxílio, em toda prova me incentivando. A Rogério Astolpho Perez, por confiar a todo momento na minha pessoa, correr e dirigir durante as 48 horas, não me pressionando em nenhum momento, fico feliz por te estado ao meu lado nesses momentos de aprendizado. A Daniel Fantini, por toda paciência, todo apoio no piores momentos da prova, por acreditar a todos momento que era possível e me fazer acreditar nisso. Agradeço, estando na minha casa, minha esposa Jaqueline e minhas filhas Clara Hanna e Melissa, as razões do meu viver, juntamente com meu filhinho Peeter, que tenho certeza fizeram toda oração e vibração necessária pra me encorajar a seguir em frente e cruzar a linha de chegada. Aos meus pais, Sidnei e Maria Soledade, que rezaram muito, me passando força pra não desistir e concluir a prova com muita saúde. A todos os meu amigos que estiveram na prova e que de alguma forma me deram força. Aos meus amigos Shympei, Parreira, Caio, Agnaldo, Vanderley, Paulo, Regina e Ana, que estiveram quando precisei sempre ao meu lado. A família Bola de Neve, pelas orações e proteção. E a todos que estiveram torcendo, postando mensagens, em pensamento, de alguma forma, me passando boas vibrações.  Obrigado Studio F3, Sigmatec, Acrimet e Jornal " A Cidade", por fazerem esse sonho ter virado realidade, mesmo se não foi um bravo corredor superando as terríveis subidas da serra da Mantiqueira. Até o próximo desafio.      

O professor Agnaldo Sampaio enviou o relato da BR 135 de 2007 como incentivo aos participantes de 2013. Boa sorte a todos.

Brazil 135 Ultramatathon 2007
Por Agnaldo Sampaio

O Brasil esta semana conheceu uma prova diferente e muito bonita, a “Brazil 135 Ultramaratona”, a prova a pé considerada a mais difícil no Brasil, com distância de 217 quilômetros a serem percorridos individualmente.  O evento contou com a participação de 20 atletas.  A prova saiu da cidade de Águas da Prata, interior de São Paulo, com destino à Paraisópolis em Minas Gerais, e teve como base do seu percurso o Caminho da Fé, onde os atletas desafiaram a Serra da Mantiqueira.

A largada aconteceu às 8 horas e 10 minutos.  Logo após a largada a chuva começou forte aumentando ainda mais o desafio da prova.  Aí todos tiveram a certeza de que a chuva que tinha caído na noite anterior, só havia parado na hora da largada pra que a foto de todos ficasse mais bonita.  Os primeiros 6 km foram dentro da cidade, a partir daí, entramos numa estrada de terra do Caminho da Fé e então começou o grande desafio.  Deixamos pra trás todo o carinho e cordialidade do povo da cidade para dar início ao grande desafio de chegar à Paraisópolis.  Ali percebi que era hora de começar a correr e colocar em prática a minha estratégia de fazer uma prova forte, não me desgastar fisicamente no início pra que no final conseguisse chegar com a mesma energia que sempre cheguei nas outras ultramaratonas que participei, sempre pensando que o público que está no final está para ver sua glória e não seu sofrimento. Mas a Brazil 135 era uma prova diferente, cheia de obstáculos, então, logo no início percebi que não seria tão fácil.   O Valmir Nunes desprezou a todos e imprimiu um ritmo forte logo no início, então decidi ir junto, confiante que assim faria uma grande corrida e conseguiria chegar em uma boa colocação, já que atrás de mim estava vendo alguns nomes mais respeitados em ultramaratonas mundiais. A prova foi tomando seu ritmo natural e depois de muito sobe e desce veio o primeiro grande desafio no km 23, o Pico do Gavião, lá em cima estava o primeiro posto de controle da prova.  Subi muito bem chegando ao ponto de apoio onde estava tomando meu hidratante e fazendo uma ligação do celular que levei pra avisar que tinha chegado ao primeiro posto de controle.  Vi o Áureo Adriano, campeão da prova em 2005, sair com tudo.  Percebi que tinha que ser forte, senão seria engolido pela turma que estava subindo o Pico, resolvi então dar um de kamikaze e imprimir um ritmo forte até buscar o Áureo e assumir outra vez o segundo lugar.  Neste momento entrei outra vez no meu ritmo forte e constante, sentindo que a minha corrida estava sob controle e era só ocupar minha mente e manter a minha organização.  O tempo ia passando entre uma montanha e outra e a chuva, que não parava, inundava riachos e transformava a prova em uma verdadeira pista de motocross.  Depois de umas quatro horas correndo, a prova saiu das estradas de terra e pegou o asfalto, começava ali a descida da Serra dos Andradas, uma subida que depois se transformava em uma descida muito perigosa porque a chuva era forte e tínhamos que dividir a pista com os caminhões que vinham descendo.  Terminando a Serra, a prova passava por dentro da cidade de Andradas e logo em seguida entrava novamente pelos sítios e fazendas de estradas de terra, onde começava todo o sofrimento outra vez.  Escorregões, tombos e muita chuva na cabeça ... depois de uns 10 quilômetros começava a Serra dos Lima, com sua série de subidas intermináveis, que comparadas à temida subida da Biologia, na USP em São Paulo, a Biologia seria só um aquecimento.  Pronto, terminei a Serra dos Lima e sentia naquele momento como se meu corpo tivesse sido atropelado por uma carreta, um resfriado havia me pegado, o que era até lógico depois de tanta chuva e tanto esforço.  Naquele momento, saquei da porchete o meu primeiro socorro, um antigripal que tomei e segui firme até o km 70, onde tinha um outro posto de apoio da prova na cidade de Barra.  Já fazia seis horas que eu estava correndo na chuva e tudo que eu queria era uma bela macarronada quentinha, então parei neste posto de apoio e comi dois pratos da suculenta macarronada.  Lá, falei com o Rodrigo, um dos organizadores da prova, que eu estava com vontade de parar, mas ele logo me deu aquela força e disse que eu e o Valmir estávamos muito forte e muito bem e que eu deveria continuar firme que o resfriado iria passar.  Neste momento não fiquei mais que dez minutos parado, peguei minha porchete, uma garrafinha de água e voltei forte para a prova, entrando outra vez no meu ritmo e controlando a minha mente, pois sabia do meu propósito ali naquela prova e não podia desistir, tinha que ser forte, senão como chegaria a São Paulo e falaria para os meus alunos não desistirem ???  Iria me sentir um falso profeta.

Voltando a me concentrar na prova, sobe e desce forte e lá vou eu vencendo os desafios: subida, descida, chuva, lama, até ser atacado por um enxame de mutucas que me picaram o corpo inteiro.  O jeito foi arrancar um galho de árvore e correr com o galho na mão girando sobre a minha cabeça como se fosse a hélice de um helicóptero.  Assim foi por muitos quilômetros até chegar à cidade de Crisólia.  Só então pude abandonar o meu escudo e me livrar das mutucas.  A prova então seguiu pelos vilarejos e voltou outra vez pra estrada de terra, onde logo encontrei um riacho transbordando e tive que escalar pedras pra atravessá-lo, aproveitei para tirar um pouco a lama do meu corpo, mas logo segui forte pois não podia perder muito tempo, precisava chegar na cidade de Inconfidentes antes de escurecer, lá era o km 113 da prova e havia um posto de apoio importantíssimo.  Em minha estratégia, solicitei que a organização da prova deixasse minha mochila com lanterna, roupa de frio e material pra correr à noite somente neste posto de apoio e se eu não chegasse lá antes de escurecer, com certeza me perderia na mata no meio da escuridão.  Passei por todas as cidades, venci todos os obstáculos e cheguei em Inconfidentes na última luz do dia com pouco mais de onze horas de prova.  Neste ponto de apoio estava o Tião Magu, o grande massagista de prova, que fez uma rápida massagem.  Tomei um banho quente, vesti minha roupa seca, jantei uma macarronada, peguei minha lanterna, blusa, roupa refletiva e caí na mata.  Não dava pra enxergar um metro à frente sem a lanterna.  Naquele momento não podia descuidar, qualquer vacilo significava se perder.  O caminho era marcado por setas refletivas e quando a luz da lanterna batia, ela refletia e assim segui destruindo todos os quilômetros da prova. Por volta da meia noite, a chuva que nos acompanhava desde o início da prova resolveu parar, mas as suas conseqüências estavam por todo o caminho. Muita lama, atoleiros e rios cheios.  O lado bom disso pra mim foi que no meio da madrugada encontrei o Rodrigo com sua pick-up atolada no meio do percurso, pude conversar um pouco com ele, peguei uma água gelada e segui o meu caminho vencendo o sono, o cansaço e o frio da roupa molhada até chegar à cidade de Tocos de Mogi, onde avisei na pousada dos peregrinos que o Rodrigo estava atolado e estava sem sinal de rádio e celular. Troquei as pilhas da minha lanterna, me hidratei, comi algumas frutas secas e barrinhas de cereais e segui em frente.  Logo saí da cidade e de novo estradas de terra e subidas. O sono era forte, a solidão me destruía e eu não podia parar, senão com certeza perderia meu 2º lugar e a esperança de ganhar a prova, já que o Valmir Nunes poderia a qualquer momento parar pra descansar. Eu seguia como se o corpo funcionasse no piloto automático com uma única opção: continuar firme e forte.  Foi neste momento que quase enfartei de tanto susto, quando coloquei minha lanterna pra iluminar as setas refletivas do percurso e vi dois olhos brilhantes levantarem em minha frente, não tive outra opção a não ser bater o meu recorde de 100 metros pra trás, mas logo depois descobri que era apenas uma vaca que só queria sair da estrada e não uma onça que fosse me atacar.   O episódio engraçado serviu pra espantar o sono e assim foi até o dia clarear.  Logo cheguei à cidade de Estiva, em mais um posto de apoio, onde tomei banho quente, deixei todo o material que usei pra correr à noite, tomei um copo de leite quentinho e segui minha viagem para os últimos 50 quilômetros de prova.
Desci a rua da pousada, uma rua de paralelepípedo, até subir uma passarela que passava por cima da Rodovia Fernão Dias e logo à frente, outra vez, estrada de terra, lama e muita coragem rumo à cidade de Consolação, a última cidade antes de Paraisópolis, quando lá cheguei já estava exausto, era como se um filme estivesse passando e eu fizesse parte dele.  Todos os meus alunos eram os personagens e a cada metro de prova sentia que não estava sozinho.  O Caminho da Fé me ajudou a descobrir o mito da vida, a ilustrar e compreender o compromisso de luta por ideais de muitas horas de vida levada ao extremo pela paixão de correr.  Naquele momento tudo que eu queria era terminar a prova.  O medo da morte por exaustão era constante ao ponto de eu ter que reduzir o ritmo com medo da morte, aquela que eu sempre satirizei.  Não podia morrer, o meu propósito estava chegando ao fim e eu teria que carregá-lo até a linha de chegada e servir de exemplo, só assim eu teria a admiração de milhares de pessoas que eu quero conquistar e conduzi-las a uma vida saudável e a um mundo bem melhor do que este em que vivemos hoje.

Voltando à minha prova, os quilômetros iam passando e tudo que eu queria era encontrar uma cidade atrás de todas as montanhas que eu me deparava.  Subia a montanha e atrás dela outra montanha, estava no meio de um vale montanhoso, com milhares de subidas, descidas, muita lama e nada de chegar à Paraisópolis.  Água e hidratantes já tinham acabado e o jeito foi apelar para a água natural saindo direto das nascentes, as quais encontrava no caminho e tinham sido desprezadas por mim até aquele momento.  Quando avistei a cidade de Paraisópolis foi a glória, sabia que era só ligar o piloto automático e vencer as últimas montanhas.  Logo entrei na cidade, corri por volta de mais um quilômetro e a emoção a flor da pele, o cansaço, a dor, as bolhas nos pés e todo o sofrimento tinham valido a pena.  Quando avistei a linha de chegada e escutei a risada e os gritos escandalosos da Elis, vi que não estava sozinho, avistei também a Luiza e a Regina, minhas alunas e amigas, que iriam me fazer companhia e dividir a glória do meu 2º lugar em uma prova absolutamente desafiadora.

Cruzei a linha de chegada, fotos, câmeras, parabéns, sorrisos, choros em uma mistura de homem herói em uma figura heróica usando seu talento, passando pela coragem e subestimando a dor para vencer um grande objetivo onde a obsessão de buscar a vitória a todo custo fica medíocre perto de exemplos que se estendem para a vida inteira, porque a saga do herói consiste em  terminar a batalha vivo para que a beleza do seu feito não seja em benefício próprio e sim para ilustrar o mito da sua vida e levar o seu exemplo a milhares de simples mortais, nas suas grandes realizações.






Maratona RJ 2010
Por Marco Barbosa

Gostaria de agradecer o apoio que vocês me deram nestes últimos meses. Foi fundamental para que eu pudesse ter corrido esta Maratona do Rio de Janeiro 2010.

Na verdade, corri a Maratona de SP que foi apenas um treino. Levei 4 horas e 59 minutos com muita câimbra e sofrimento. Mas a do Rio seria pra valer. Eu não tinha desculpa. Tinha feito 30km até o Estância, 33 km no Rodoanel e 25km Anchieta-Rodoanel-Imigrantes.

Conforme as informações do evento, haveria ônibus disponível para transportar os corredores do Aterro do Flamengo até a largada no Recreio. Para isto, eu teria de levantar muito cedo, pelo menos 4:30 da manhã. Aí, decidi me hospedar num hotel que já conhecia, lá no Recreio dos Bandeirantes. Achei interessante esta decisão. Alguns com quem conversei na Academia me desaconselharam a fazer isso, dizendo que ficando hospedado no Flamengo, ao final da corrida já estaria perto do hotel. Mas o Agnaldo me disse: “Fica lá e dorme mais. O melhor é ficar perto da largada. Pra voltar, você dá um jeito.”

Fiquei. Aliás surpreso porque este hotel mencionado estava a 50 m da largada. Excelente, não o hotel mas a localização.

Mas vamos falar da corrida. O evento era de 42km, 21km e 6km. Na largada do Recreio estavam apenas os maratonistas. Os loucos e gananciosos que queriam todos os 42km só pra eles. Uns 3.000 apenas. Por isso a largada foi tranqüila, bem organizada.

Durante todos os 42,2 km eu lembrava dos incessantes conselhos de vocês o que não me deixou sair fora da risca. Querem exemplos? Lembrei-me do Pedro dizendo “ você consegue!” ou “tira esse negócio de 30km da cabeça, isso não existe!”. Tinha também o Dicler “Marcão, isso é canelite, não esquenta, não é câimbra. Quando chegar em casa, coloca gelo que vai melhorar” e mais “ Leva uma pochete com sal, gel, papel e dinheiro. Não deixe de tomar o gel e depois uma água em cima!”. E tinha também o Wagner me aporrinhando a cabeça com seus avisos “ não vai sair do planejado. Se seu tempo é 6:00, então faz 6:00. Se fizer um pouquinho menos, 5:50, não tem problema. Mas não vai ficar entusiasmado achando que tá bem e depois ficar sem energia no final..”.

Este último conselho na verdade foi muito enfatizado pelo Wagner nestas últimas semanas mas todos vocês fizeram questão de salientar isso. Aliás, já tava de saco cheio de tanto vocês me falarem isso.

E como foi a performance? Pra mim? Perfeita. Corri os 42 km no mesmo ritmo. Foram 4 horas, 8 minutos e 45 segundos. 5:54 min/km ou 10,2 km/h.

No início, aos 11 km senti a canelite e fiquei preocupado porque todas as vezes que senti isso já havia passado dos 25km. Mas já sabendo que não significava nada, segundo o Dicler, acionei no cérebro a função “desligar dor de canelite” e fui embora.
Deu pra apreciar todo o percurso em detalhes. Apreciei as praias, as pedras, os morros, a arquitetura. Tudo. Também , pudera, a temperatura estava cravada em 21 graus, com tempo nublado. Algo difícil ou impossível de acontecer no Rio.
Minha pochete era toda sofisticada, da Track and Field. Tinha compartimento para celular. Liguei no meio do percurso para a Cátia para avisá-la que estava vivo e que se ela viesse me buscar, que pegasse a Linha Amarela pois o trânsito estava infernal nas vias normais, devido às interdições.
Até isso deu certo. A Cátia já estava a caminho e pela linha Amarela. Chegou no aterro do Flamengo 1 hora antes de mim.

Subi o elevado do Joá numa boa. Nem me incomodei com a subida da Niemeyer, o morro do Vidigal.

Lá atrás, no começo do percurso, via todo mundo me ultrapassar. Também lembrei de vocês dizendo “não liga”. E nem liguei. Mas depois de ter corrido 30km, comecei a perceber que agora ninguém mais me ultrapassava. Parecia haver uma divisão. Os que estavam atrás, ficariam atrás. Os da frente, lá na frente. E eu ultrapassaria aqueles que não souberam respeitar seus limites. Assim foi.

Quando faltavam uns 7km, me deparei com uma briga entre mente e corpo. O corpo queria dar uma caminhadinha argumentando que isso seria vantajoso pois eu poderia correr mais no final. A mente resistia dizendo ao corpo que melhor seria terminar todo o percurso podendo contar aos amigos que não precisei parar em nenhum momento. O resultado foi que a mente foi vencendo a argumentação até o final.

Não caminhei. Apenas corri. Corri para a vitória. Não só para a vitória, mas para minha esposa, meus filhos e também para vocês.

Muito obrigado.
Agora posso encher o peito e dizer: Eu também sou um Maratonista!

O trajeto, tá aí embaixo. É só clickar.
 http://connect.garmin.com/activity/41082137
Abraços,

Marcos Barbosa, Maratonista

Ultramaratona Brasil 135
Por Pedro Luiz

23 de janeiro de 2010, as 7h30, finalmente chegou o grande dia, 30 minutos antes da largada estava muito tranqüilo, sem aquela ansiedade habitual, pois treinei bastante, 1 ano desde a BR135 de 2009 quando fui de apoio para o professor Agnaldo Sampaio.

De lá para cá, foram muito quilômetros rodados entre treinos e corridas. Entre os treinos foram muitos em Socorro com inúmeros morros e mito calor, as corridas foram: 100 km em Cubatão, 2 Bertioga - Maresias de 75 km, 24 horas no Rio de Janeiro na prova dos Fuzileiros Navais, onde ganhei uma canelite que me preocupou, pois faltava menos de 2 meses para a prova. Vale lembrar que apenas em agosto fiquei sabendo que foi aceito o meu currículo para realizar a prova, ou seja, para mim a corrida já começou bem antes, mas estava muito confiante e tracei um objetivo de concluir em 40 horas, das 60 horas limite. Claro que se completar já seria uma vitória, mas como estava confiante resolvi sonhar com as 40 horas nos 217Km.

Com tudo preparado, água, isotônico, refrigerantes, carboidratos (gel e macarrão) e uma fantástica equipe de apoio: meus dois amigos (Dicler e Parreira) e meu irmão, companheiro de corrida e grande amigo Beto.

Exatamente as 8h00, após o Hino Nacional, foi dada a largada. Sai muito consciente e tranqüilo, pois sabia que haveria muitos quilômetros pela frente. No primeiro trecho, até Águas da Prata, passamos por uma trilha por dentro de uma Fazenda de Café, onde a trilha só foi aberta dois dias antes da prova, que devido as chuvas das últimas semanas estava tomada pelo mato. A beleza do percurso dissipava a dificuldade do sobes e desces.
Em Águas da Prata, com 20 km, encontro minha equipe pela primeira vez, depois só encontraria novamente após 12 km, no temido Pico do Gavião. Neste trecho calculei errada a quantidade de água que deveria ter levado, acredito que por causa do calor e da dificuldade do percurso não foi suficiente, mas não foi apenas eu que tive dificuldade, logo a frente encontrei um atleta da Bolívia, pegando a água que descia na estrada, aproveitei e abasteci minha garrafa para ser suficiente até encontrar minha equipe, que me esperavam faltando 5 km para o topo do Pico do Gavião, a 1800 m de altitude. Estes 5 km seria ida e volta, e também deste ponto em diante já é permitido o apoio de minha equipe, contando com a companhia de um pacer. O Beto passou a me acompanhar e me ajudou a enfrentar o Pico do Gavião, neste ponto durante a subida pude encontrar com os primeiros colocados retornando, inclusive o professor Agnaldo. Ao final da subida o meu irmão fala: “Veja as nuvens estão passando aqui no nosso lado”, foi quando me dei conta do quando era alto! Ao final um membro da organização anota o meu número para controle e permitindo o meu retorno.

Ao descer era preciso cuidado para evitar lesões, este é o único trecho de ida e volta, sendo possível encontrar outros amigos e atletas, uma vez que na família dos ultramaratonistas, somos sempre os mesmos, um grupo de amigos. Ao final me abasteço para 14 km até Andrada. Nesta hora encontro Tomiko e Jaime Rocha, que corria sozinho e contava com o apoio de sua grande mala.
Continue com o Beto, e logo a frente fico sabendo que o professor Agnaldo havia abandona a prova por orientação médica. Assim me sentia com uma responsabilidade maior, pois era o único da equipe e então precisa concluir.

Na descida até Andradas paramos algumas vezes para pegar água que corria pelo morro, que por sinal era muito abundante. Chegando em Andradas, que maravilha, o Parreira preparou um maravilhoso macarrão de copo quentinho, pois não agüentava mais isotônicos, gel, proteínas e carboidratos.
Enquanto comia, minha equipe parecia o Box da fórmula 1, um fazia massagem com gelo e outro prepara os suplementos para o próximo trecho, serra dos Limas, com o primeiro PC (posto de controle). A partir de Andrada contei com o apoio do Parreira e Dicler para me acompanhar. Pouco a diante o professor Agnaldo me encontra para desejar boa sorte, onde estava retornando para São Paulo porque não se sentia bem! Ficamos preocupados, mas depois nos tranqüilizamos, pois a Patrícia ligou e disse que estava tudo bem.

Durante este trecho o Parreira e Dicler foram revezando até a serra dos Limas, no primeiro PC com 84 km percorridos e a primeira parte do objetivo cumprido, que era chegar antes do anoitecer, cheguei por volta das 18h00. Para garantir a integridade do atleta, no PC contávamos com uma equipe médica, resgate e eram realizados exames obrigatórios para verificar o peso, pois não poderia ser superior ou inferior a 3% ao peso inicial, que foi verificado no congresso técnico um dia antes da prova. Caso contrário o atleta era retirado da prova. Também realizaram exames opcionais de glicemia, oxigenação do sangue e verificada a cor da urina. Estes exames passarão a ser obrigatórios a partir de 2011. Após os exames comi uma deliciosa macarronada oferecida pela organização e pé na estrada em direção a Inconfidentes!

Neste trecho uma experiência nova, correr a noite sem iluminação nas estradas, apenas uma lanterna para direcionar nas estradas de Minas e com o apoio do Dicler, pois ele tem experiência com algumas corridas de aventura noturna. Não foi difícil a adaptação, entramos noite a dentro e confesso que correr a noite é muito monótono sem as paisagens, apenas o barulho da escuridão!

Uma rápida parada em Crisólia para reabastecer e enquanto esperava minha equipe fazer os preparativos um amigo e suporte de outro atleta me fez um relaxamento e alongamento nas pernas. Segui em frente rumo a Inconfidentes e com o apoio de Dicler e Parreira que se revezavam para me acompanhar. Neste trecho fiquei preocupado com o Beto, que sentia os sintomas de gripe, só conseguiu me acompanhar com o carro de apoio, mas não pude me abalar, pois tinha a noite toda pela frente, muita chuva, a estrada escorregadia por causa da lama.

Por volta de 1h40 da manhã de domingo cheguei no Posto de Apoio em Inconfidentes, onde eu e minha equipe comemos uma típica comida Mineira que nos esperava. Aproveite para tomar um banho quente e fazer meu único descanso de 40 minutos. Após o descanso pegamos o pior trecho, não pela altimetria, mas chovia muito e tinha muito lama. A organização aviso que não era possível acompanhar com o carro pelas ma condições das estradas, sendo assim passaríamos os próximos 20 km, eu e Dicler, sem qualquer ajuda do carro de apoio. Seguimos em frente, mas estava muito escorregadio por causa da lama, resolvemos então caminhar rápido, que em alguns locais não era possível nem caminhar de tão escorregadio! A lama tomava conta da estrada e encontramos com um carro de apoio que tentou acompanhar um atleta, mas atolou. Foi um momento de muita tensão, era preciso cuidado para não cair e atenção para não errar o caminho.

Ao amanhecer os pássaros começam a dar vida ao ambiente e uma cena curiosa acontece, um boiadeiro tocava seus bois de um lado para outro da estrada, uma parte já havia cruzado a estrada, quando os demais pararam para que passarmos, quando passamos eles continuaram a travessia e nos olhavam como se estivessem nos observando.

Agora estávamos bem próximo à cidade, mas este trecho foi o mais difícil faltava o toque final, um rio transbordou e alagou uns 200 metros de rua e foi necessário atravessarmos com a água pelo joelho. Nesta hora fiz um comentário com o Dicler “Vou parar um pouco para descansar, este trecho foi muito desgastante”, quando vejo o carro de apoio com Parreira e Beto, ambos vem nos receber, nesta hora penso se o Beto está melhor, e em resposta ao meu pensamento ele pergunta: “Vamos pegar firme para terminar nas 40 horas?” Não sei, mas isso me animou, esqueci o cansaço da noite. Me reabasteci e segui em frente mais motivado, apenas sentido pelo meu amigo Dicler que retornou para São Paulo, pois tinha compromisso. Ele me ajudou no trecho mais difícil e só tenho a lhe agradecer, muito obrigado!

Assim foquei, faltam 90 km e preciso liquidá-los até a meia noite de hoje, então partimos eu e o Beto com o Parreira no carro de apoio, tendo que achar caminhos alternativos para nos encontrar nos trechos onde o carro não passava. Incrível, como o nosso corpo se recupera rapidamente, a alguns minutos atrás estava exausto, mas já estava recuperado mesmo estando 24 horas correndo (claro tirando o meu pequeno descanso), então pensei, vou tirar proveito desta disposição e eliminar quilômetros e partir para o próximo PC em Estiva, passando por Tocos do Moji. Fui a partir deste trecho que ganhei algumas companhias, a dupla da equipe Branca e o atleta do exército. A presença de minhas atletas torna mias agradável à corrida.

Quando acabei o Pico do Gavião pensava que tinha acabado a parte mais difícil das subidas, grande engano, e confesso que o Pico de Gavião foi muito fácil em relação aos demais trechos com subidas íngremes e constantes, sem intervalos planos. Por vezes quando olhamos para uma curva pensamos, após a curva acaba a subida, errado, a subida continuava. Em outras ocasiões olhava ao redor e observava que estávamos no topo do morro, pensando assim que não teria mais o que subir, e mais uma vez estava errado, a subida continuava. Vocês podem imaginar que depois ficava mais fácil porque tinha as descidas, mas isto é um outro engano, porque se soltasse o corpo na descida você poderia lesionar a musculatura podendo comprometer a corrida, era necessário encontrar um médio termo. Quem sofria com isto eram os dedos dos pés, pressionados para frente do tênis. Descobri tudo isto durante a prova e coube ao Beto corrigir minhas passadas e postura para economizar energia e pernas.

Chegando em Tocos do Moji lá estava o Parreira me esperando com a boa macarronada, onde sentei no banco da Praça Central da cidadezinha, e me sentia como uma atração, todo mundo que passava olhava tentando imaginar o que estava acontecendo e algumas pessoas vinham perguntar o que estávamos fazendo.

Agora sim, tínhamos mais um trecho até Estiva, nosso próximo PC. Interessante, após Inconfidente todos os trechos eram longos, diferente do início que variavam de 7 a 14 km, mas foi até Estivas que obtive o meu melhor rendimento, inclusive deixei a dupla e o atleta do exército para trás, e ainda alcancei o atleta Tubarão. Cheguei em Estivas com boa disposição, inclusive a médica que fez os exames me disse que estava ótimo!

Comi uma canja muito gostosa e enquanto comia minha equipe fazia um relaxamento com gelo nas minhas pernas. Enquanto me preparava para o último trecho até Paraisópolis, com passagem por Consolação, conversando com a equipe concluímos que seria necessário me poupar um pouco e deixar energia para completar a corrida, pois o ritmo do último trecho foi forte.

Estava tudo dentro do programado até sentir uma forte dor no tornozelo esquerdo, fiquei preocupado, faltava ainda em média 30 km. Passei pomada, compressa de gelo e dor persistia. Durante os percursos de subida utilizava um bastão de bambu para me auxiliar, mas após esta lesão foi necessário utilizar dois bastões, tanto na subida como na descida, como se fossem para substituir bengalas, um momento muito difícil, pensei que não conseguir atingir meu objetivo de concluir em 40 horas, mas como me conheço precisaria muito mais que uma dor para me vencer! Os bambus eram encontrados na beira das estradas, feitos pelos moradores e deixamos para os Pelegrinos que caminham até Aparecida do Norte. Durante o percurso os moradores também ofereciam água e sanitários.

Em Consolação, havia um trecho de uma enorme reta plana, coisa rara nesta corrida, pois nos 217 km são apenas 20 km de trecho plano, assim tive que aprender a correr com os bastões de bambu, tanto é que os atletas da dupla e do exército me alcançaram, mas com a ajuda dos bastões me adaptei, ganhei velocidade e acompanhei o atleta da dupla.

Passamos pela cidade e entramos em uma Rodovia onde corríamos por 3 km e entraríamos na trilha novamente. No início desta trilha havia uma barraca de apoio da organização, e quando passássemos por esta barraca faltariam 18 km para concluir a prova. Passei pela barraca as 20h10, faltavam 3h50 para terminar dentro do meu objetivo.

Foi neste trecho que o Beto, após 12h me acompanhando foi para o carro de apoio e o Parreira passou a me acompanhar. Tem coisas que não explicam, enquanto o Parreira se preparava pegando os suplementos, joguei os bastões e entrei na trilha com um único pensando: “Vou acabar logo com isso!” e em um ritmo muito forte, sai com o atleta da dupla que já havia revezado. Corri por 2 km até chegar em um trecho de mata mais fechado, foi quando o pacer do atleta da dupla me pergunto: “Cadê sua lanterna? Já está escurecendo, como você vai fazer?” Foi aqui que percebi que me empolguei e não esperei o Parreira terminar de se preparar. Mas isso foi fundamental, pois a diante havia uma ponte caída e improvisada uma nova um pouco a diante, e quando o Parreira chegou a claridade natural estava na situação que a lanterna não iluminava, por ser entardecer. Era preciso estar bem escuro para acostumar à visão e depois ligar a lanterna, assim conseguíamos enxergar bem com pouca luz. Nesta hora o Parreira foi testar as lanternas, quando ouvimos alguém nos chamar no meio da mata para avisar que estávamos indo para o caminho errado. Rapidamente corrigimos o caminho, atravessamos a ponte improvisada e aproveitamos um bom trecho plano e sem lama.

Não conseguia mais sentir a doe, estava com garra e determinado, só pensava que estava prestes a concluir o maior desafio da minha vida e ainda dentro do objetivo definido, 40 horas. Observei que estava em um ritmo bom e não conseguia alcançar o atleta da dupla, que já havia me passo quando voltei para me encontrar com o Parreira, mas as vezes eles também estavam em um ritmo forte.

Tudo estava bem, inclusive o Parreira comentou: “Cadê as subidas? Será que no final da prova vamos ter uma colher de chá?” Mas não demorou muito tempo e lá estava as subidas, após um trecho bem ingrime uma parte plana e já era possível ver a cidade lá embaixo. Mas um amigo me advertiu sobre isto, depois que ver a cidade não se empolgue, pois ainda faltará mais um pouco.

Tivemos mais uma forte subida e nesta hora não resisti, chorei por um instante e não sabia mais quantos kms faltavam, só via o tempo conspirando contra mim. Terminado mais esta subida, um grande trecho de lama e mais adiante avistamos um carro e devido a escuridão demoramos para ver quem era, era o Beto no carro de apoio que veio nos encontrar no sentido oposto, pois como a ponte caiu não tinha como nos acompanhar. A primeira coisa que perguntei para ele foi: “Falta muito”? Tem muita subida?”. Ele disse que faltavam 3 km, pegaria uma forte subida e descida, e em seguida chegaria na cidade. Combinamos de ele retornar para a cidade, deixar o carro e nos encontrar para terminarmos juntos.

Ao final não percebi a subida e descida, só queira terminar. Quando cheguei na parte pavimentada da cidade, lá do alto, avistamos a igreja e sabia que lá era a chegada e há duas quadras do final o Beto veio nos encontrar para terminarmos juntos.

Já avistando a linha de chegada abracei o Parreira, o Beto e o Dicler que carregava no coração, e finalmente cruzamos a linha de chegada com 39h29min. A emoção deu lugar a alegria que não me controlava, abracei com muito carinho minha equipe e fiz questão de cumprimentar nosso grande amigo Mário Lacerda, idealizador da BR135 e todos que encontrava pela frente. Agora posso dizer: “Sou ultramaratonista!”.

Agradeço de coração ao professor Agnaldo Sampaio pela sua garra e determinação que nos incentiva a enfrentar estes desafios, a Patrícia, sua companheira, pelo apoio que nos dá. Aos grandes amigos Parreira e Dicler, e ao meu grande irmão Beto, que sem eles não seria possível atingir o meu objetivo. A minha esposa Claudia que fica apavorada quando faço estes ultra desafios, e todos aqueles que torceram por mim, com certeza minha conquista só foi possível graças a vocês, muito obrigado!



Um abraço carinhoso, Pedro!